Notas sobre um memorial.diário

– Tal memorial.diário foi escrito entre o dia seis de abril de dois mil e dezesseis e o dia doze de junho de dois mil e dezesseis;

– Apesar de ter sido feito com tinta de uma caneta sobre algumas folhas de papel almaço, sua forma final não é de matéria palpável; é .pdf, e foi direcionado a alguns e-mails de visitantes, funcionários (e ex-funcionárias) do Museu de Arte do Rio, amigos e amigas com quem tive contato durante esses três meses;

– Sobre esses três meses (e sobre mim): residi na instalação que José Miguel Casanova criou para ser a agência do Banco dos Irreais no Museu de Arte do Rio e fui seu gerente, o que o apresentava e o esclarecia ao público. A instalação existiu do dia quinze de março de dois mil e dezesseis ao dia doze de junho de dois mil e dezesseis (meu nome é Jandir);

– Já havia feito um memorial.diário antes, o que justifica que utilize artigo indefinido para anteceder este nome no título que apresenta estas notas;

– O memorial.diário antigo foi realizado para documentar o período de quatro meses em que tentei viver de forma experimental os usos possíveis do meu perfil no site facebook.com;

– Atualmente, não mais uso o site facebook.com;

– O memorial.diário recente, do Banco dos Irreais, foi, a princípio, criado para ser um caderno de anotações dos depoimentos de visitantes a respeito deste projeto de José Miguel Casanova, coisa que não conseguiu ser plenamente;

– O memorial.diário recente, do Banco dos Irreais, tratou sobre quem trabalha durante horas nas galerias deste museu que me sediou, disponíveis ao público – assim como fiquei – ou responsáveis pela segurança do patrimônio Museu de Arte do Rio;

– O memorial.diário recente, do Banco dos Irreais, tratou de minhas inconstâncias entre o binômio ócio e trabalho durante meu período de estadia na agência; sobre como, por vezes, não sabia se era a própria instalação de José Miguel Casanova que borrava as fronteiras entre esses conceitos que poderiam me submeter ou se eu mesmo era quem fazia isto;

– O memorial.diário recente, do Banco dos Irreais, foi espaço para críticas, anônimas e assinadas, às instâncias tais como o capitalismo, o tempo, o público médio, os funcionários – próximos ou hierarquicamente superiores – o próprio Museu de Arte do Rio e o próprio Banco dos Irreais;

– Nota importante: o memorial.diário recente, do Banco dos Irreais, não foi escrito somente por mim, mas também por funcionário(a)s e visitantes que tomaram contato com ele a partir desta agência;

– O memorial.diário recente, do Banco dos Irreais, ainda reuniu impressões sobre a estrutura física da agência – uma instalação simulando uma praia, com uma metade de ampulheta içada acima dela, que funcionava como um dispositivo relacional: a partir do ingresso no Banco dos Irreais, o ou a nova correntista-banqueira era convidada a jogar a areia, que residia até então no chão da praia, em um buraco na parte de cima da semi-ampulheta pendurada, fazendo-a escoar novamente à instalação – e de suas mudanças ao longo dos meses;

– Hoje é dia vinte e um de junho de dois mil e dezesseis;

– Olho para o lado e percebo que a pergunta “Como viver no capitalismo sem dinheiro?” – que era vista logo na entrada da instalação de José Miguel Casanova no Museu de Arte do Rio – foi escrita por mim em um espaço próximo da parede do meu quarto;

– Desde cedo, pensava em outra pergunta que me assola há alguns anos: Como não mudar o mundo?;

– (Não vejo imbricação entre todas as coisas que escrevi por aqui);

– Carrego a pergunta de José Miguel Casanova comigo. Quero saber como viver sem dinheiro no capitalismo. E sei que, se carrego esta pergunta, é porque o método utilizado até então para responde-la é pergunta-la ao maior número de pessoas possíveis. Ninguém possuirá a resposta, mas, a partir do momento de enunciação da questão, quem a ouve já a carregará consigo, assim como eu;

– Sim, as notas falaram sobre um arquivo de texto que não está aqui presente. Assim como o banco do qual sou gerente existe por ir contra ao coercitivo e o aparentemente invencível capitalismo, o memorial.diário recente, o do Banco dos Irreais, existe por ir em embate às estruturas de trabalho, suas jornadas extenuantes e tudo o que de capitalista subjaz de modo silente nossas relações mas, sobremaneira, existe por ir contra à ânsia da informação, cara ao estágio da economia em que vivemos globalmente, e à ampla visibilidade, cara aos produtos artísticos relacionados à instâncias como grandes museus, que este memorial.diário poderia ser, mesmo enquanto documentação sobre o Banco dos Irreais no Museu de Arte do Rio, caso tivesse se proposto a isso. Mas este não é o caso;

– Ainda não sei porque escrevi a pergunta “Como não mudar o mundo?” notas acima desta última nota. Por não saber a reposta, procedo como José Miguel Casanova, espalhando o “Como viver no capitalismo sem dinheiro?” para outras pessoas. Sou menos propositivo: “Como não mudar o mundo?” não gerou algo como “Como viver no capitalismo sem dinheiro?” gerou o Banco dos Irreais. Mas aprendi na agência do banco que a indagação sobre viver sem dinheiro no capitalismo só pode ser respondida coletivamente. Deixo em aberto: talvez não possa responder mais nada. Convoco uma fala uníssona, unívoca ou uma gagueira mundial. De qualquer forma, acho que perguntamos coisas que só um sem-número de pessoas juntas poderia responder porque não escutamos ainda essa voz sonora e firme e, creio eu, bela, que é a voz de todos nós, uma voz nossa. Ainda não. Ainda não… ainda escuto poucos. E eles falam por mim, trocam minhas letras por números… não localizo minha ideia. E condeno nossa voz por pensar que a voz deles é essa voz…  nossa, o espanto seria bem-vindo.

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